sexta-feira, 8 de junho de 2012

14 - Encontro



Com apenas uma moeda na mão em frente a uma máquina de doces e o dinheiro não dá pra comprar a bendita barra de cereal, ele não devia ter gasto uma grana naquela revista em quadrinhos, ele não devia ter comprado o botton pra irmã, ele não devia ter comprado o cachorro quente logo de manhã, afinal ele não devia ter comprado a passagem de trem pra ter ido ao centro da cidade, um local de tentação e consumismo desenfreado para um cara ligado em cultura pop e memorabilia. E a fome apertou bem naquele momento, como comprar algo que custa o dobro do que possui. Eis que surge ao lado dele uma moça loira, cabelos lisos, olhos verdes, um metro e sessenta, trajando um conjunto esportivo com uma moeda de mesmo valor entre os dedos e observando a mesma barra de cereal, só que pelo visto parecia que seu dinheiro havia sido gasto com muitos discos de vinil que trazia numa sacola plástica. Foi como transmissão de pensamento, os dois olharam para as moedas e depositaram as duas na máquina, retirando a barra e dividindo-a entre eles. Não parecia, mas ali nasceu uma amizade que daria frutos poéticos e afinados.
Seu nome era Isaac e não era judeu e o dela Francine e não era francesa, mas ele tinha traços que lembravam o povo turco, era narigudo e os dela eram perfeitos em sua totalidade, nada naqueles dois denotariam que formariam um casal, que por sinal nunca formaram, ele tinha uma paixão mal resolvida com uma amiga de trabalho e ela era bem resolvida com uma amiga do trabalho, então esqueçam se tratar de uma história comum de amor entre um homem e uma mulher, o amor existe, mas não da maneira que imaginam, eles cultivaram algo mais sublime, mais edificante, mais criativo, algo que faria com que os dois fossem admirados por gente que nem sabiam que existiam, mesmo a paixão de Isaac teria uma leve promessa de concretização e a relação de Francine teria um vislumbre de traição. Aquelas moedas tinham história e a divisão da barra de cereal confirmou um evento transcendental. Ele havia encontrado a sua no chão do trem e para testar sua sorte fez uma pergunta, como sempre se a amiga namoraria com ele, e a jogou para o alto se desse cara era sim, e ao pegar e coloca-la sobre as costas da outra mão ele viu que tinha dado cara, um sorriso nasceu no canto de seus lábios. Ela havia encontrado a sua em meio a uns badulaques que tinha comprado numa feira de antiguidades e guardou no bolso do agasalho sem cerimônias místicas. Ou talvez tenha sido a compra que ele tinha feito das revistas do Batman ou o vinil do Joy Division que ela achou no sebo, quem irá dizer qual foi realmente o ponto de convergência para a existência de apenas duas moedas naquele momento. Por sorte ambos haviam comprado as passagens de retorno. Ela morava na zona sul e ele mais ao sul ainda, não estranharam fazerem o trajeto de volta juntos. Durante esse tempo conversaram amenidades, ele sobre quadrinhos, livros e filmes e ela sobre seus discos, televisão e seu trabalho, fato que acabou gerando um brinde para ele. Como estava para ficar desempregado e sobreviveria do seguro desemprego, ou melhor, consumiria o seguro com seu vicio em cultura pop dos anos oitenta. Ela lhe indicou uma vaga na empresa onde trabalhava.
A tal empresa em si era uma grande construtora e a função dela era localizar e adquirir imóveis com grande potencial de retorno após a execução de obras públicas. O ambiente era descontraído, todos se conheciam e se ajudavam e não era segredo para ninguém o relacionamento que Francine mantinha com Valeska, uma morena alta, com curvas insinuantes e um para de pernas que enlouquecia qualquer um, o único senão era seu rosto um pouco masculinizado que lhe dava um ara de transsexulidade, fora isso era um primor da espécie. Isaac em seu primeiro dia ficou um pouco passado ao ver a amiga em um beijo lascivo com a morena, mas como já sabia das preferências de Francine, o que achou um desperdício principalmente se ele tivesse alguma chance com a loirinha, logo se acostumou com a ideia, além do mais a antiga amiga de trabalho não saia de sua cabeça, bem como de sua caixa de mensagens do celular, tá era ele quem mandava e depois rezava pra moça responder.
Não demorou muito e Isaac já estava sendo promovido a Office boy interno e com um aumento substancial em seus ganhos, tanto que ela já pôde comprar um celular de dois chips de boa marca e procedência e aposentar seu velho Xing ling que só não jogou na parede, pois ainda não havia salvado as milhares de mensagens de sua musa, hum milhares dele, porque dela havia umas trinta somente. Essa mudança de tarefas o aproximou  mais de Francine e fez com que ganhasse o apresso de Valeska que o via como um amigo gay já que a loira o tinha como válvula de escape para seus assuntos pseudointelectuais extraídos da cultura de massa imposta pela mídia burguesa com o intuito de banalizar o cotidiano da sociedade em geral, só pra ficar claro, Francine falava sobre cultura televisiva e afins que ficou um pouco mais abrangente com a chegada de TV a cabo. A convivência com o restante dos funcionários também era alegre e em todo aniversário havia uma festinha com bolo e um presente sacan. No primeiro ano ele ganhou um pijama de ursinho, mas as duas amantes lhe deram uma raridade, uma caixa com todos os números do Miracleman, Valeska disse que tinha sido difícil encontrar, mas Isaac sabia que o esforço todo havia sido de Francine, pois só ela sabia o quanto ele procurava esse item e também o quanto ele não tinha para compra-lo quando o encontrasse. E continuando a tradição dos aniversários ridículos, ao fim do turno a maioria se reunia em uma ampla sala de reuniões, cortava o bolo e participava de um concurso inusitado de quem escolheria a música mais brega do  karaokê. Isaac como aniversariante teve o direito, imposto é claro, de escolher a primeira música que foi logo de cara Boemia , no final ele ganhou por pontos, pois foi a pior pontuação conseguida em qualquer festa realizada ali. Valeska tentou pegar pesado escolhento “O meu sangue ferve por você”, mas mesmo com sua voz estridente ela se saiu bem. Agora, na vez de Francine ela escolheu “A vida tem dessas coisas”, quando ela cantou ele teve duas certezas, a primeira ele nem sequer fazia ideia de quem era a música ea segunda a de que Le havia encontrado a voz que tanto esperou, aquela que tornaria seus anseios realidade, aquela que daria vida as suas ideias postas em um papel, mas que por força do destino e por ser um cara extremamente desafinado havia tido corangem de cantar seus versos. A mulher não desfinava por nada. Cada frase, cada pausa, cada olhada que ela dava para Valesca eram perfeitas, bem, as olhadas eram meio estranhas, mas elas se entendiam.
Após a festa Isaac não esperou Francine, nem adiantava também. Por que ela pegou carona com a morena e era melhor evitar as duas quando saiam sorrateiramente para o estacionamento. Ele nunca imaginou que o trem demorasse tanto para chegar ao sul da zona sul, pra ser honesto, ele deu azar naquele dia, porque deu pane na rede elétrica dos trens, mas deixa pra lá. Chegando em casa passou direto pelos pais e pela irmã que já se preparava pra dar uma bronca por causa da cueca esquecida no Box do banheiro, mas sua velocidade de entrada no quarto estava cravada em não me perturbem. Ele jogou os presentes sobre a cama e revirou alguns cadernos em busca de anotações, pegou o violão Tonante que tinha e viu sua afinação, ligou seu celular que tinha a imensa capacidade de gravação de cinco minutos e começou a cantar sua composição. Tudo bem que ele repetiu a operação inúmeras vezes e cada vez mais alto até encontrar o volume certo para o aparelho reproduzir algo audível. E ninguém sabe ao certo explicar porque na manhã seguinte a vizinha maníaca depressiva do lado foi encontrada morta por enforcamento e até hoje não encontraram a relação.
No dia seguinte ele chegou mais cedo, não precisou dar a velha desculpa do trem quebrado, nunca foi desculpa mesmo pra justificar seus atrasos. E foi direto procurar Francine e a encontrou conversando com Valeska, ele se abaixou para beija-la no rosto e ficou nas pontas dos pés para beijar a morena. Isaac puxou a loirinha para um canto sob o olhara cismado da companheira e numa suplica de dar dó, pediu que ela ouvissealgo no celular. Fones nos ouvidos e uma cara de quem ouviu uma unha sendo raspada numa lousa, ela retirou os fones, perguntou se ele tinha a letra, ele a entregou e ela pediu o celular emprestado. Francine entrou no banheiro feminino voltando alguns minutos depois entregando o aparelho para Isaac escutar. Ao ouvir o resultado de uma voz suave com um pequeno eco causado pelas paredes do Box do banheiro e no fundo o som de uma descarga sendo acionada, ele quase teve um ataque, na verdade ele teve um ataque de cólica renal, mas passou logo.
Ela foi sincera, a letra era boa e a música também, mas precisava de ajustes e ele a aprender a tocar direito o violão. A partir dai voltavam todos os dias juntos conversavam sobre música, ele carregava sempre um caderno na bolsa, se encontravam nos cafés, lanchonetes, parques e uma vez foram expulsos da estação de trem por estarem cantando e tocando no vagão, o fato é que ele estava cantando e não ela, o que explica a expulsão. Ela o levou a sua casa os pais dela estranharam, pois ela nunca havia levado um rapaz somente garotas e ele a levou a sua, onde a família determinou que aquela data fosse comemorada todos os anos já que Isaac nunca tinha levado uma garota em casa ou qualquer outra pessoa.
Depois de alguns ensaios e mais nenhuma vizinha morta, eles aproveitaram o aniversário de Valeska e na hora do karaokê els mudaram a tradição e partiram pro velho banquinho e violão. Houve um alivio entre os presentes ao perceberem que Isaac não cantaria naquele dia. Francine pegou o microfone, disse algumas palavras em homenagem a aniversariante e falou que a composição era do Isaac mas que todo o sentimento era dela. Ao terminar a canção a pequena plateia ali reunida aplaudiu emocionada pela voz da loira, os cercaram, os abraçaram, cumprimentaram e disseram que nunca esperaram nada tão bonito saindo de um cara feio, narigudo, quase careca e que só sabe entregar a papelada quando necessário, caso não mudem a cor do envelope.
Após aquele dia todos os aniversários tinham uma apresentação da dupla. Francine cada dia mais afinada e Isaac, bem, Isaac ainda precisava aprender a tocar violão, mas suas letras estavam melhores. Após várias apresentações, Valeska convoca a dupla para propor algo mais ambicioso, ser a atração musical no aniversário do seu Godofredo o dono da empresa, um senhor simples e gentil, que não media esforços para deixar o clima da empresa agradável. Todo o ano a comemoração era considerada um feriado, tanto que os clientes e fornecedores nem sequer ousavam ligar ou marcar algo nessa data. Todos os funcionários compareciam sem exceção e sem problemas de locomoção, pois o transporte para aqueles não dispunham era garantido tanto na ida como na volta. A festa era sempre em um restaurante grande e de renome e com a presença de uma banda, eles aceitaram na hora, e Valeska ficou contente, assim poderia economizar uma grana com a contratação da banda, não que ela não fosse pagar os dois, mas eles nunca iam saber que ela tava desembolsando apenas um quarto do valor disponível, a mulher era mão de vaca, dizem as más línguas e as boas também, que se derramarem um pouco de sal de fruta na mão dela e a jogarem numa piscina, ela sai e ao abrir a mão tem um sonrisal em pastilha e com embalagem, mas voltemos a nossa dupla. Passaram duas semanas ensaiando, reviram todas as músicas que já haviam apresentado, algumas versões de artistas conhecidas e terminaram com umas  vinte músicas e mais umas cinco para um possível bis.
Festa estranha com gente esquisita, nada como ir para um aniversário ouvindo Legião Urbana em um Fusca 78 branco pérola, essa era mais uma conquista de Isaac, seu primeiro meio próprio de transporte, alguns amigos um tempo depois perguntariam, quando ele venderia o Fusca e compraria um carro, mas ele estava contente com a aquisição e a irmã até já havia batizado o carrinho, deu o nome de Herbie, mas a proibiu de colocar um adesivo com o número 53 na lataria. E seu contentamento não era só por isso. Finalmente Valkiria, esquecemos de mencionar que a amiga do seu ex trabalho tinha esse nome, aceitou seu convite para velo em sua primeira apresentação, ele consegui com Valeska dois convites, um para ela e outro par Jóca, também seu amigo do ex trabalho, ele levaria a amiga e depois Isaac a convidaria pra sair e comer sushi, ele tinha aprendido a apreciar a culinária oriental, só não aprendido a usar os rashis, mas graças a genialidade de um algum desafortunado, descobriram que colocar elásticos nas pontas ajudava. Chegando ao restaurante o manobrista já o encarou feio, não por ele ou pelo Fusca, mas pelo violão tonante todo desbotado e quase não acreditou que Isaac fazia parte da atração musical da noite, após alguns acertos e a intervenção prestativa de Ulisses o gerente de vendas, nosso amigo consegue entrar, menos sorte teve Herbie que foi estacionado numa rua lateral sem muita iluminação e com risco de alagamento, sorte que não choveu naquele dia. Isaac estava elegante, terno preto, camisa branca, sapato de amarrar preto e cinto preto, se colocasse uma gravata passaria por segurança do local na boa.
Já dentro e no palco, Isaac se impressiona com o tamanho do local, nem a churrascaria do bairro era tão grande, o palco era quase central, pois havia um mezanino atrás para alguns convidados especiais e a mesa reservada para seu Godofredo estava ali. Microfone posicionado, tonante afinado, só faltava Francine e eis que a bela loirinha sobe ao palco, Isaac quase cai do banco ao ver sua amiga em um vestido preto, tomara que caia, com as costas nuas e uma fenda de rachar o coração, ele nunca tinha percebido quão lindas eram aquelas coxas, Valeska também havia notado o vestido e em seu intimo se vangloriava. Após alguns minutos de estupefação, a dupla se ajeitou e depois de um pequeno discurso da morena em homenagem ao chefe, eles tocaram a primeira música, por sinala primeira composição que apresentaram naquele primeiro aniversário, francine estava fabulosa, Isaac não errou uma nota, estava tudo perfeito, os convidados ficaram extasiados, seu Godofredo orgulhoso da festa, nada poderia dar errado.
E na terceira música Isaac percebe a entrada de um casal no restaurante e logo são encaminhados para a mesa reservada pelo garçom, eram Valquiria e Jóca , Isaac ficou um pouco apreensivo pois os dois chegaram de braços dados, mas ele sabia da amizade dos dois e logo deixou pra lá. Francine começou a cantar uma versão de “Esse brilho em seu olhar” e quando estava no meio da canção ela sente Isaac arranhar uma nota fácil, ela continuou, mas olhou para ele e percebeu seu olhar fixo em um casal que se beijava numa mesa próxima, eram Valkiria e Jóca. Ele ficou perdido em pensamentos e recordações, seus sentimentos viraram um turbilhão, não havia mais motivo pra nada, estar ali não tinha importância, seu orgulho estava mais que ferido, a imagem que ele tinha da ex amiga se desfez, seu amigo, aquele a quem confiava seus sentimentos sobre ela, havia traído sua confiança, não existia palavra para expressar sua revolta, a mulher que ele enaltecia, que ele idolatrava, que ele endeusava, agora estava nos braços de outro e mesmo sabendo o que Isaac sentia, ela não se reteve em demonstrar o que sentia pelo outro. Isaac ficou paralisado por alguns minutos observando o braço do violão e seus traços, foi quando a dor que queria se converter em lágrimas, tornou-se um dedilhar, era Telegraph Road do Dire Straits, Francine ficou impressionada pela ousadia do amigo, pois durante os ensaios essa música não queria sair, a letra era uma tradução adaptada, mas Issac não tirava nada do violão, ele continuava no básico, porém ele fez Francine cantar a letra com o CD tocando ao fundo, ficou muito bom, mas retiraram da apresentação. Ele estava tomado pelo sentimento de que nada mais valia a pena, nem mesmo o fato de passar vergonha diante de tantos, sua magoa o impelia a tocar notas tristes, mas perfeitas, seus dedos buscavam as cordas certas, seus olhos embaçados pela névoa de tristeza não enxergava seu desempenho, em sua mente a única coisa que existia era a trilha que deveria ser seguida, entrar de cabeça em seu ódio. A música tinha praticamente quatro partes, duas líricas e duas instrumentais, Francine cantou a primeira primorosamente e Isaac tocou a primeira instrumental de modo simples, mas emocionante, até o casal de ex-amigos ficaram impressionados, a loira arrasou novamente na segunda lírica e quando terminou pensou que o amigo daria um pequeno toque para finalizar, pois até aquela parte eram quase nove minutos de música. Mas Isaac fez uma pausa de segundos, levantou a cabeça, encarou Valkiria, fulminou Jóca com o olhar e começou a marcar o ritmo com o bater do pé, Francine não acreditando, mas sabendo do intuito do amigo, o acompanhou estalando os dedos, os convidados os acompanharam nos estalar e Isaac tocou a primeira nota do restante da música. Ele colocou raiva, ódio, rancor, todos os sentimentos naquele tonante, que nunca havia emitido um som tão cristalino e perfeito até aquela altura, ele reviveu cada frase escrita, cada noite mal dormida, cada canção que havia escrito tento como inspiração Valkiria, e sua cadencia aumentava até que no furor ele encerrou a apresentação com uma batida violenta, mas afinada nas cordas de seu velho companheiro. O s convidados aplaudiram de pé, quem conhecia Isaac sabia que ele havia se superado e muito naquela apresentação, mas nenhum sabia tanto quanto Francine o que estava passando no intimo do amigo, ela conhecia a história e sua paixão juvenil, ela não conhecia o objeto dessa paixão, mas o olhar dele a havia indicado. A loira em um ato impulsivo largou o microfone no pedestal, caminhou até Isaac que continuava a admirar os traços do violão, colocou a mão sob seu queixo, levantou seu rosto e lhe deu um beijo puro e terno nos lábios. Além dos aplausos que aquele beijo provocou, duas pessoas levantaram em desespero naquele momento, Valeska por ver a namorada aos beijos com outro e seu Godofredo desesperado atrás de um banheiro por causa de um desarranjo causado pelo prato de camarão. Isaac sorriu para Francine e terminaram de tocar as músicas ensaiadas. Após a festa Valeska arrastou Francine para o estacionamento e depois de muita discussão se acertaram, mas houve consequências, Isaac foi para casa em seu Fusca e nem notou que riscaram a porta do passageiro, o casal de ex amigos não tiveram mais noticias de Isaac e sempre acharam que ele havia compreendido a união dos dois, um engano compreensivo, já que ele nunca demonstrou publicamente o ódio e a vontade de esgana-los.
O fim de semana passou e quando Isaac chegou ao trabalho foi recebido por Valeska, que logo de cara lhe disse que Francine não trabalhava mais ali e que não adiantava procura-la, pois era um acerto que haviam feito para que continuassem juntas, se bem que ela não pretendia ficar com Isaac mesmo. Aquilo o deixou arrasado, seus sonhos haviam se tornado realidade por causa da loira, restava para ele, no entanto a certeza da compreensão e apoio da amiga, mesmo ela sabendo que toda inspiração provinha da ex amiga e que não surgira nem mais uma frase conexa desde a festa de aniversário. Alguns dias depois, ao encontrar outra moeda no trem, ele fez o velho gesto de joga-la, mas a pergunta agora era se Francine voltaria, deu coroa, ela não voltaria, ao passar pela máquina de doces ele imaginou a amiga se aproximando e completando o dinheiro pra dividirem outra barra de cereal, ou quem sabe uma nova parceira apareceria, mas para sua surpresa a barra estava custando apenas uma moeda, vendo um rapaz abastecer a máquina ele lhe perguntou o porquê da queda de preço, a resposta o deixou cismado, na verdade por um erro do antigo abastecedor, naquele dia o preço estava errado para mais. Agora sabemos que a causa daquela associação foi uma burrada de um terceiro que não tinha nada com o assunto. Isaac agradeceu, comprou a barra com a moeda e foi embora com a certeza de que agora era ele e somente ele e mais ninguém pra dividir seus anseios. Naquele momento morreu Isaac o artista, o compositor, morreu Isaac filho de Esaú primo de Malaquias, neto de Abrão, ele que vinha de uma família que utilizava nomes bíblicos agora se via solitário contra o mundo, seu sonho passou e foi perdido, sua devoção foi quebrada, seus princípios testados, mas sua alma fortalecida ou tão torcida que ficou anestesiado perante os acontecimentos, ele transfigurou seu rosto em uma máscara de maturidade e abnegação que só sua mente foi capaz de criar, seus dias se tornaram sombrios e alguns arremedos de frases eram de pura perversidade, nunca mais Isaac sorriu com honestidade o palhaço morreu numa noite sem testemunhas e sem ser velado.
 Ah, só pra constar, seu fusca foi roubado na porta de casa num dia de verão.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

13 - A VIDA QUIROMANTICA DE CAROLINA VELAZQUEZ



Durante séculos uma forma de determinar o status de um governante era a presença de um astrólogo junto à realeza. Suas previsões e acertos eram a diferença entre a vida e morte não só entre os membros da corte, mas também da preservação da sua própria integridade física. A necessidade de consulta a um adivinho não foi excluída da vida das pessoas com o advento da razão, no transcorrer do tempo os astrólogos pessoais foram substituídos por algo mais coletivo, o horóscopo publicado diariamente nos jornais. Milhões de pessoas espalhadas pelo globo não saem de suas casas sem antes folhearem as páginas dos matutinos a caça das supostas previsões e conselhos para orientarem seu dia.
Com nossa amiga Carolina não é diferente, desde a infância, influenciada pela avó que lhe presenteou com um almanaque astrológico, ela guia os detalhes de sua vida buscando orientação em qualquer forma de pseudopresságios, horóscopos, i-ching, folhas de chá, e outras formas divinatórias, sendo a quiromancia sua favorita. Todo o sábado a tarde ela visitava uma velha cigana que se radicou em seu bairro para que esta lhe desse uma luz conselheira pra o transcorrer da semana seguinte. Essas consultas duraram muito tempo até que a velha cigana um belo dia transcendeu para um plano superior. Na verdade ela foi assassinada por um ladrão saído recentemente da prisão, o motivo foi um acerto de contas, ele a consultou antes de realizar um grande roubo e a velha previu que tudo sairia bem durante o trabalho, mas o meliante foi preso antes de entrar na agência bancária que pretendia assaltar.
Durante um bom tempo Carolina ficou órfã de um guia, guru, xamã, vidente, profeta, mãe de santo, qualquer individuo que a orientasse diante das desventuras do destino. Até encontrar na prolífera internet sites e mais sites oferecendo orientações nas mais diversas escolas de adivinhação e profecias.  O mais famoso deles era o sandrarosa.com, dizem que o próprio Magal que em sociedade com o Paulo Coelho, mantinha este site. Ele oferecia o grande diferencial de leitura das linhas da mão online, era só scanear a palma e ter em minutos uma analise e previsão do futuro. Mas Carolina desconfiada, não gostava de utilizar sites de grande repercussão, então ela adotou um que selecionava seus usuários o ciganamimi.net. Esse ela conheceu a partir de um pequeno cartão que encontrou dentro da revista semanal que sempre deixavam sobre sua mesa no trabalho.
O dia, a vida e o trabalho de Carolina eram totalmente orientados por esse site, cigana Mimi utilizava uma abordagem muito pessoal, tanto que seus clientes eram selecionados. Não era um site de livre acesso, o pretendente a cliente tinha de preencher um questionário e, se aprovado, recebia uma senha para entrar em um local especifico. Não existia uma cobrança direta pelo serviço, o que havia era uma comprovação mensal de uma doação para uma instituição de caridade indicada pelo site num valor estipulado. Isso dava ao serviço prestado uma áurea de filantropia. Carolina colaborava com uma quantia substancialmente maior por agregar um item ao seu perfil de usuária, a consulta com hora marcada em tempo real. Seus horários eram sempre aos sábados ás quatorze horas, consultas que duravam exatos cinquenta minutos. As perguntas de Carolina sempre envolviam dois assuntos pertinentes, trabalho e vida amorosa. Nessa última ela acabou rompendo um relacionamento de sete anos por interpretar a orientação da cigana Mimi como que se “antecipando” a uma possível traição por parte do namorado. E ela não sentiu remorso algum ao saber que, meses depois, uma colega de trabalho havia começado um namoro com seu ex.
O emprego por sinal se tornou a razão de sua existência, pois havia no horizonte próximo o prêmio de uma promoção e recolocação em uma filial da empresa no oriente e sua competência a colocava em primeiro lugar para ocupar esse cargo. Suas decisões acertadas diante dos desafios profissionais ela julgava serem uma colaboração direta de suas consultas ao site esotérico. O projeto não era nada simples, a empresa havia sido recente mente adquirida por um conglomerado na área de informática que via na prestação de serviços sua tábua de salvação depois de anos produzindo equipamentos para empresas e escritórios. E um desses serviços era o gerenciamento de recursos humanos através de portais de intranet das empresas contratantes, a vantagem estava em estabelecer escritórios regionais para que se adequassem a legislação de cada país e partir deles fornecer recursos básicos para os clientes, livrando-os da contratação de mão de obra especializada para atuar dentro da empresa e com o ganho de escala e a própria economia em funcionários, oferecer um serviço barato e adaptável ao perfil e tamanho da empresa. Mas ao adquirir uma empresa no Japão, o conglomerado se deparou com um problema, ela queria que o serviço que havia criado a partir da aquisição da empresa onde nossa amiga Carolina trabalhava, executasse todo serviço de recursos humanos, porém não havia um escritório instalado ainda naquele país, coube a matriz da empresa com sede por aqui a ingrata tarefa de, sem enviar alguém para o Japão, viabilizar a implantação do sistema.
Como no jargão de um grupamento policial o qual o trabalho foi levado às telas de cinema “missão dada, missão cumprida”, a empresa não podia recuar dessa empreitada e nem sequer levantar a hipótese da necessidade do envio de alguém para o local. Nossa amiga Carolina era a única indicada para a tarefa, sua formação em direito exterior e sua capacidade de estabelecer contatos com empresas e pessoas mesmo em áreas totalmente desvinculadas a colocava como líder nata para implantação do sistema. Na primeira reunião ela já estabeleceu um equipe de apoio e de suporte, como o quadro da empresa havia sido enxugado não havia como escolher muito, foram incorporados ao conselho de guerra de nossa amiga cinco pessoas das cinco áreas predominantes do sistema de gestão em recursos humanos e mais um interprete contratado exclusivamente para a tarefa. Dentro do mais puro profissionalismo e espírito de equipe Dulce foi agregada ao projeto. Cabe uma resalva aqui, Dulce era a atual namorada do ex de nossa amiga e antes da montagem da equipe, Carolina havia consultado o site de cigana Mimi para saber se haveria compatibilidade e progresso com a reunião das pessoas, a resposta veio assim que ela forneceu ao site informações como data, horário e local de nascimento. Não demorou mais que algumas horas para que todos os envolvidos fossem aprovados, com exceção de um pequeno remanejamento. Cigana Mimi orientou nossa amiga para que ela melhorasse o ciclo kármico o projeto colocando  Dulce como segunda em comando do projeto, assim as chances de sucesso seriam ampliadas.
Equipe montada, astral verificado era hora de colocar tudo em andamento, o prazo era muito curto, nada mis que duas semanas pra tudo estar em perfeita ordem no dia que fosse anunciada na sede da empresa no Japão que os novos donos estavam no comando. Os dois primeiros dias foram somente de pesquisa, tanto da estrutura existente da empresa, como da legislação existente, visitas ao consulado viraram uma rotina nas duas semanas que se seguiram. No quarto dia verificou-se a necessidade de agregar mais um componente ao conselho de guerra, por sugestão de Dulce, um funcionário que havia trabalhado no Japão por cinco anos se juntou ao grupo para orienta-los na maneira que os trabalhadores eram tratados nas empresas japonesas, claro que seus antecedentes e o signo ascendente do novato foram verificados por nossa amiga. O trabalho já começou a dar frutos no fim de semana, pois não haveria folga para nenhum dos participantes, até as visitas ao site de cigana Mimi foram reduzidas a uns meros quinze minutos do que sobrou no horário do almoço.
Projeto em andamento, conflitos aparecendo e sendo sanados, visitas, consultas e pesquisas sendo feitas, uma sessão de massagem encomendada para ser feita no local de trabalho pois todos estavam extenuados e mais algumas consultas rápidas para cigana Mimi e num domingo oito horas da noite aqui, pois no Japão já eram oito da manhã de segunda-feira. Todos apreensivos quando do anuncio da transferência de comando da empresa japonesa e todos os trabalhadores teriam seus pagamentos e benefícios geridos por um grupo externo e sem vinculo e que teria um local físico para eventuais reclamações instalado no país apenas alguns meses depois. Anuncio feito sistema implantado e integrado, bastava agora esperar alguns dias para verificar sua eficácia, o que na verdade levou algumas semanas, pois foram necessários alguns ajustes diante da resistência dos funcionários da empresa para recorrer ao sistema diante de alguma necessidade. Mas após esse período tudo já estava em andamento e uma proposta estava já encaminhada para o conselho de guerra que tornou a empreitada possível. Todos seriam promovidos e enfrentariam diante de um novo projeto, a instalação de uma sede em Osaka para oferecer o serviço para o país inteiro.  A comemoração só foi interrompida quando a pessoa que seria a encarregada do projeto e futura gerente da sede agradeceu a todos pelo empenho, fez um pequeno relato de todos os acontecimentos e no final disse que se via obrigada a recusar a promoção e que além disso estava pedindo demissão pois estava analisando uma proposta de um novo e mais ambicioso projeto. Após espantos e protestos a recusa de nossa amiga Carolina continuou firme em sua decisão de sair da empresa.
Após se despedir de todos, refutar novamente as ofertas feitas por seus superiores, Carolina foi para casa, ligou seu computador e releu novamente a interpretação de cigana Mimi para os próximos meses:
“Não haverá prêmio pelo que agora conquistou, mas o verdadeiro horizonte está onde você ainda não conhece, mas irá a ouvir falar em breve,  um convite será feito, mas recusado, pois a glória baterá em sua porta em pouco tempo.”
Para ela não havia dúvidas, tudo seria melhor e mais gratificante, os ganhos futuros e suas crenças a faziam imaginar milhares de coisas boas e promissoras. Ela agora pensava em agradecer Cigana Mimi fazendo uma doação de boa parte de sua indenização para sua instituição de caridade para demonstrar o quanto ela foi importante no sucesso desse projeto. Após  realizar uma transferência eletrônica para a conta da instituição, Carolina foi para cama iniciar sua fase de recuperação física após tanto tempo se emprenhando dia de noite nesse último trabalho, seu sono veio com a certeza de que sempre poderia contar com a orientação honesta de um site que o destino colocou em seu caminho.
Naquela mesma noite, chegando em casa, Dulce vai ao quarto da irmã contar a novidade da promoção conseguida e seu futuro local de residência, como Carolina havia recusado o cargo restou a opção de oferece-lo para a segunda em comando. Para a irmã isso já na era novidade, ela conhecia bem Dulce e sabia que para obter o que desejava ela se esforçaria ao máximo para transpor os obstáculos, mesmo que esses fossem a pessoa de uma mulher muito competente e capaz, mas que tinha a pequena desvantagem de ser supersticiosa, nossa amiga Carolina se encaixava nesse perfil e não foi dificuldade alguma Dulce verificar quais eram as preferências esotéricas da concorrente e sabendo da capacidade da irmã de criar sites, encomendou um para que fosse usado por Carolina em suas novas consultas e para que a mesma se sentisse impelida a procura-lo, ela deixou um cartão feito exclusivamente para a ocasião dentro da revista sobre a mesa de Carolina fazendo parecer que foi obra do destino. O fato de ter de se cadastrar fez com que ela não desconfiasse de que ela era a única usuária de um site criado exclusivamente para manipula-la. Fazendo com que suas consultas a guiassem para que Dulce ganhasse dela os prêmios merecidos, sendo o primeiro o namorado, este por sinal já era alvo dos anseios de Dulce que pediu a irmã para dar uma dica falsa que fez com que Carolina terminasse o namoro e ela pudesse ter caminho livre para a conquista do rapaz, só que agora ele seria colocado novamente para escanteio, pois Dulce não se prenderia a um relacionamento vendo seu futuro garantido em outro país. Mas Dulce não menosprezava totalmente Carolina, ela sabia que sem a capacidade dela de liderança e gerenciamento de multitarefas a execução do trabalho seria algo quase impossível, por isso ao invés de fazê-la tomar decisões equivocadas para prejudica-la, Dulce pediu para que a irmã a orientasse para o sucesso da empreitada, o seu remanejamento dentro do grupo e que no momento do prêmio ela pensasse que existia algo muito melhor fora da empresa, deixando caminho livre para segunda opção que era Dulce.
Quanto às doações, a instituição realmente existia e era mantida pela mãe das duas manipuladoras. E nossa amiga Carolina se viu perdida novamente quando, misteriosamente, semanas depois de seu pedido de demissão ao acessar o ciganamimi.net  esse não era mais encontrado. Não restou alternativa a nossa amiga, já que ela se viu novamente órfã de sua nova cigana, a não ser utilizar sua capacidade intelectual, prestar um concurso público e se enfurnar em uma repartição onde o trabalho beirava a rotina mais perfeita possível para não necessitar imaginar um futuro sem orientação dos astros.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

12 - POR TEU NOME...


Peço desculpas por demorar tanto em publicar algo novo, mas a inspiração foi embora, e só voltou ontem. 

Segunda-Feira

Dentro do metrô um celular toca, o que o deixava pensando se isso seria possível em um túnel cravado sob a cidade. Dúvida sanada ao pegar o próprio celular e verificar que havia sinal. Nisso uma voz o desperta da admiração causada por aqueles tracinhos no visor do seu aparelho.
"Oi, é a Meire."
Ao procurar a dona da voz, não foi a surpresa de ver alguém conhecido, ou a beleza que ela poderia ter, ou muito menos o choque de estar diante da mulher que mudaria sua vida, que o abalara era o nome, um nome que sempre causou um estremecimento em seus pensamentos, pois a primeira pessoa que conheceu, portadora deste nome, não mais existia. Seu olhar mediu cada detalhe daquela mulher, seu cabelo liso e castanho, seus olhos claros e emoldurados por sobrancelhas levemente desenhadas, seus lábios vermelhos que insistiam em manter um sorriso, mesmo que leve, quando fechados e um par de pernas, que prometiam mais do que mostravam.
Quando sua conversa telefônica acabou, ela se viu observada por aquele estranho, mas ao invés de desviar o olhar, ela o manteve como que o convidando a cortejá-la. Ele sempre exibiu um porte atlético e a altura ajudava a distribuir uniformemente seus músculos, isso sempre facilitou suas investidas e seus intentos. O lugar ao lado dela ficou vago e não houve duvida ele foi sentar-se lá. Não teve segredo no inicio da conversa, nome, trabalho, elogios, aquele monte de coisas que se falam durante uma primeira abordagem, falas que aos ouvidos alheios parecem baboseiras, mas entre duas pessoas com interesse mutuo, tornam-se poéticas. Talvez se ela não estivesse disposta a aceita-lo, ele teria de se esforçar um pouco mais para impressioná-la. A conversa durou exata seis estações, todas embaladas pelo som de um MP3 que um fulano, o qual, mesmo com fones de ouvido, insistia em preencher o vagão com uma música de bom gosto, terminaram a viajem ao som de "Alphaville" do Bryan Ferry. Chegando ao destino dela, se despediram sem a troca de números de telefone, de endereços, ou de um "me adiciona no face", foi um simples e curto "até mais ".

Terça – Feira

Mesmo horário, mesmo vagão, só que três estações antes. Ele não sabia se a encontraria novamente, mas resolveu tentar. Quando o Metrô chegou e abriu suas portas, ele a viu sentada e com o lugar vago ao seu lado. Apressando-se a ocupá-lo notou que ela estava com a respiração oscilante, logicamente pensando que a sua presença havia causado tal reação. Mal sabia ele que na estação anterior ela havia se esforçado para descer a escada pulando vários degraus, atravessado um bom pedaço da plataforma correndo para entrar no vagão certo e pela porta certa. Sendo o que ele pensava ser excitação, era na verdade o ritmo do coração dela voltando ao normal.
A conversa começou do ponto onde parara no dia anterior, colocando mais alguns detalhes alheios em evidência. Ela havia saído recentemente de um relacionamento, e ele terminara, havia pouco tempo, mais um dos seus relacionamentos problemáticos. Ela percebeu seu ar de tristeza, mas manteve a conversa alegre. Mas para ele, aquela alegria era sinal de que Meire tornava-se um novo objetivo, uma nova inspiração, algo que voltava a animá-lo, e talvez ele pudesse voltar a fazer o que gostava ou, o que ele achava que tinha nascido para fazer.
Dessa vez números foram trocados e ao se despedirem um beijo na face dele foi dado. Na mesma tarde ela receberia uma mensagem em seu celular, com elogios aos seus olhos e ao seu jeito. Dessa vez foi a excitação que acelerou seu coração e alterou sua respiração. Ela terminou aquela tarde recostada em sua cadeira e com "Crytal" do New Order em seus ouvidos.

Quarta- Feira

Novamente no metrô ele esperava encontrá-la, mas desta vez não viu, ficou realmente triste, tentou ligar várias vezes, mas o telefone acusava desligado. Durante o dia tentou outra vezes sem sucesso. Até que ao final da tarde recebeu a ligação esperada, convidando-o para se encontrarem em um barzinho próximo ao trabalho dela. Ele saiu empolgado e ao invés de usar o metrô decidiu fazer o percurso na caminhada, isso o ajudava a colocar as idéias em ordem e a diminuir seu nervosismo. Chegou ao local do encontro, um bar recentemente inaugurado que ainda estava com pouco movimento e o público era praticamente formados por casais, uns permanentes e outros ocasionais. A música era ao vivo e a banda naquela noite tocava uma seleção de metal melódico, ao entrar ele já a viu em um canto próximo a uma coluna.
Ele foi ao seu encontro e enquanto sentava ela enlaçou os braços em seu pescoço trazendo-o para junto de si e dando-lhe um beijo úmido, mas terno. Ele ficou impressionado com a iniciativa dela, mas não era o tipo de beijo que esperava. Como se percebesse o sutil desapontamento dele, ela disse que aquele era apenas para comemorar a boa entrevista de emprego que teve durante o dia, motivo que explicava o telefone desligado. Após isso passaram algumas horas conversando intimidades e de vez em quando suas mãos se entrelaçavam. Ele se mostrou gentil e cortês o tempo todo, mas ela notava a tensão que aquele encontro lhe causava. Ao se despedirem foi ele que a puxou para si dando-lhe um beijo mais enfático, mas ela percebendo que era um convite o recusou educadamente tornando o beijo mais sutil.
Ele a deixou na porta do metrô, mas para não insinuar que a estava forçando a algo, se despediu e decidiu caminhar um pouco e utilizar outra estação. Seus pensamentos eram turvos, seus sentimentos idem, havia um bom tempo que não se envolvia com ninguém, não sabia se podia enfrentar o que várias vezes se mostrou um fardo. Mas ao passar por um grupo de jovens que escutava música em um carro com as portas abertas, seus pensamentos ficaram um pouco mais claros, o motivo não era a musica em si, "Sweet Dreams" a versão do Marilyn Manson, mas a lembrança de que outra Meire já lhe beijara daquele jeito.

Quinta- Feira

Não houve encontro neste dia, apenas a troca de mensagens, corriqueiras, algo impedia que os dois usassem o telefone para o que foi criado, falar um com o outro, parecia que as letras digitadas no minúsculo teclado eram enviadas com mais inspiração.
Ela terminou o dia com o telefone ao lado da cama, com a última mensagem dele. Enquanto ele começava a escolher um tema para as ligações dela no seu telefone. Ele estava pensando em “Out On My Own” do Gotthard.

Sexta-feira

A música que o despertara era “Horizons” do Pastore, mas não era do rádio-relógio, era a musica que ele finalmente escolhera para identificar as ligações de Meire no seu celular. Atendeu a chamada com aquela voz de besouro que se tem ao acordar, mas ficou impressionado com a voz intimidadora que saia do aparelho, que praticamente lhe ordenava a esperara-la na estação e no horário de sempre. Ele não teve muito tempo pra se arrumar, Só pegou seus documentos, algum dinheiro e um apetrecho especial para ela, que guardou no bolso interno da jaqueta.
Ao chegar a estação, ele não precisou esperar o metrô, ela já estava lá, com um vestido estilo japonês, cabelo preso, os lábios vermelhos e aquelas pernas prometendo muito mais. Sua admiração durou pouco, pois ela praticamente o envolveu num abraço e colando seu corpo esguio no dele, puxou seu rosto para junto de si e deu-lhe um beijo. Sua língua procurando a dele nervosamente, suas unhas praticamente cravadas em seu pescoço era o convite que ele queria receber, e as mãos dele apalpando cada centímetro de suas costas era a resposta que ela precisava.
Não houve paradas, nem sequer a intenção de irem pra outro lugar, o objetivo daquela viajem era o apartamento dela, onde passaram o dia, a tarde e toda a noite realizando suas vontades e inventando outras. Adormeceram ouvindo o vizinho gay dela cantar “ Goodbye Yellow Brick Road”.

Sábado

Na manhã seguinte, ao admirar o corpo nu de Meire, levemente úmido por causa do suor e com seu peito se expandindo suavemente por causa de sua respiração calma, deitada naquela cama, ele teve duas certezas, aquelas pernas realmente ofereciam mais do que do que prometiam e que não havia mais opção, era hora de realizar aquilo que tanto adiara naquela semana. Mas não seria como a outra Meire, ou melhor, como as outras Meires, dessa vez ele seria honesto, gentil, galante até. Seria fiel, tocaria sua pele com delicadeza, afagaria sempre sua face quando dissesse tudo o que faria por ela e com ela. Com essa Meire ele havia percebido que era hora de amadurecer suas intenções, suas idéias, seus métodos.
Com as outras não houve ternura, foi tudo de um modo brusco e direto, suas mãos não sentiam o valor de um toque em uma pele delicada, ele nunca fora totalmente sincero, nunca percebeu que o olhar delas lhe indicava sua amargura, sua pequenez. Quando as deixou, foi simplesmente uma fuga do compromisso que não queria assumir. Mas agora essa Meire seria sua derradeira obra, sua despedida do passado, o inicio de uma nova empreitada. Ele levantou, foi até o banheiro, lavou o rosto, o mesmo que encarou no espelho antes de sair e procurar em sua jaqueta um par de luvas de borracha. Mas desistiu deste acessório, ela merecia que a estrangulasse e tivesse seu pescoço rompido por suas mãos nuas. Lógico que desta vez ele não escaparia, seria julgado e trancafiado em um local escuro, mas não importava, ele poderia agora até morrer, pois havia encontrado a redenção na morte da mulher perfeita, a mulher que carregava o nome de sua mãe, de sua avó e antes delas tantas outras mulheres de sua família.
Ao aproximar-se da cama, ele notara a bolsa dela, e desta a ponta de um envelope de telegrama, a curiosidade não podia atrasá-lo em seu ato, mas ela o venceu e ele o apanhou, o abriu e o leu deixando-o em cima da cama e logo depois vestindo calma e silenciosamente suas roupas e saindo calmamente daquele apartamento, colocou os fones de ouvido, buscou em seu celular “Torn” do Creed e caminhou pela calçada rumo a estação de metrô.
Meire acordou alguns minutos depois procurando pelo seu amante da noite anterior, mas ao apalpar o lado que ele ocupava na cama, encontrou o telegrama que recebeu da empresa onde fez a entrevista naquela semana:
Para Srta. Ana Maria Siqueira
Informamos que a Srta. foi aprovada no nosso processo seletivo.
Pedimos a gentileza de comparecer na Segunda-feira, na sede da nossa empresa, portando os documentos necessários para admissão.
Gostaríamos de salientar que já registramos a preferência que a Srta. tem de que, no crachá, conste apenas o apelido de MEIRE.
Naquela manhã um apelido, que ela adorava, tiraria sua vida, mas foi o nome de batismo, que ela a execrava, que a poupou.
Ele agora procura pela mulher perfeita, a que tenha o aquele nome matriarcal e a beleza de ANA.


Aviso: todas as música citadas estão no youtube.

sábado, 16 de outubro de 2010

11 - DORMENTE

Não estava ausente, nem estava presente, estava dormente, contente, descontente, carente, esperando um ente, com dor de dente.
Às vezes idéias vem outras vão, mas no fundo sempre estão, em algum recanto da mente, ou será que a cabeça mente.
Bem a verdade é que a preguiça bateu, o corpo falhou e os olhos fecharam e mão não escreveu nada decente.
Peço desculpas pela simplicidade, pela falta de tato, pelo desgosto causado, pela incompetência somente.
Mas prometo regressar, mas de onde e para onde, provavelmente em uma onda de contos contentes.
Abraços aos que não me viram e saudades dos presentes.

sábado, 1 de maio de 2010

10 - CONFISSÕES

Sempre quis saber como seria passar um tempo longe de casa incomunicável. Descobri isso no ultimo mês. Passei as férias em uma colônia isolada no interior. Foi um programa barato e agradável. Conheci algumas pessoas que também gostam de um pouco de solidão. Mas chegar em casa em plena Segunda –feira, debaixo de um aguaceiro, não era meu ideal de boas vindas. Entrei em encharcado e após me recompor, fui verificar os recados que a civilização deixara em minha secretaria eletrônica. Tirando os da família e os dos cobradores de sempre, só o recado do Arnaldo me chamou a atenção. "Cleiton , a Alice foi embora". Aquilo me abalou, pois conhecia os dois desde o tempo da faculdade, e sem pestanejar liguei para ele. Enquanto ouvia o telefone chamar, rememorei o que era comentário corrente entre os amigos mais íntimos. "Ela logo vai larga-lo". Só não sabíamos quando seria isso , alguns apostaram em um ano, outros mais otimistas em três; mas tudo havia durado, até o momento, oito anos e meio. E eu precisava realmente saber como acontecera.
No quarto toque ele atendeu, sua voz estava um pouco embargada, e pediu para que eu fosse até a sua casa. Após desligar chamei um taxi e me embrenhei no meio do caos criado pela chuva e dentro do trânsito intransitável desta bendita cidade. Levei algumas horas para chegar ao seu apartamento. Quando subi ele abriu a porta e o que vi foi realmente espantoso, aquilo não era um homem, ele estava irreconhecível era apenas o rascunho de um frangalho, a única reação que teve ao me ver foi a de me puxar e me abraçar, ficamos assim por alguns minutos sob o batente da porta. Acho que se alguém tivesse passado pelo corredor pensaria que era o reencontro de dois amantes que há muito não se viam. finalmente entramos e perguntei.
"A quanto tempo ela foi embora?"
"Faz uns doze dias, mas parece que são anos- seu rosto ficava cada vez mais transfigurado pela dor. - só que eu te chamei aqui por outro motivo, você era tão amigo meu quanto dela, por isso acho que merece partilhar dessa confissão."
Ele me estendeu um envelope verde. Fiquei meio embaraçado. Fomos sempre unidos, eu, ele e a Alice, porém, nenhum dos dois me confiara algo de sua particularidade. Abri o envelope depois dele insistir muito e encontrei algumas folhas manuscritas naquela letra arredondada de mulher, que logo reconheci como dela. Olhei novamente para ele pedindo permissão para começar a leitura.
"Recebi dois dias depois que ela foi embora." Essa foi a deixa para que eu começasse a leitura.

"Naldo querido"

Se você está lendo isso é porque simplesmente eu fui embora. Sei que deve estar magoado, triste e até com raiva, mas nós dois sabíamos que um dia isso iria ocorrer. Não poderia durar tanto, estávamos lutando contra algo que cedo ou tarde havia de nos separar. Pois esse dia chegou e eu não poderia deixar de lhe contar o que passou pela minha cabeça esses anos todos que estive ao seu lado, assim como confissões a serrem feitas. Logo de inicio confesso que esta carta foi escrita dezenas de vezes e é a mesma quantidade de vezes que nosso fim parecia eminente. Espantado, pois não fique, porque essa é a menor das confissões, mas para não adiantar muito , vamos voltar ao nosso inicio e relembrar como e onde nasceu nosso fim.
Foi no segundo ano da faculdade que te conheci, eu cursava fisioterapia e você história, nos trombamos ao acaso na biblioteca do campus. Eu procurava um livro para matar o tempo e como não encontrei peguei outro e fui me sentar na mesa de estudo, chegando lá notei que o livro que procurava estava com um rapaz, me aproximei dele e perguntei se ele tinha pego o livro fazia tempo, o que me respondeu foi que fazia pouco, pois havia procurado um outro livro e como não achara pegou aquele ao acaso, quando ele me falou o nome do livro eu notei que era o que tinha em minhas mãos, mostrei a ele que logo propôs uma troca e nos apresentamos.
Lembra Naldo, foi assim que nos conhecemos, uma pequena troca fez com que tropeçássemos um no outro e depois daquele dia sempre te encontrava na mesma mesa e travamos nossa amizade. na época eu namorava um carinha que conheci logo nos primeiros dias do curso, mas estava passando por algumas dificuldades nessa relação e você tentava amenizar a situação aconselhando a ambos, porém não houve solução amigável e sai daquele relacionamento muito machucada. Mas você esteve ali para me consolar e mostrou o quanto de amizade desprendida existia entre nós.
Bem, a partir dali começamos a andar mais juntos, íamos ao cinema, festinhas das fraternidades, exposições e qualquer coisa que um de nós conhecíamos e quiséssemos mostrar para o outro. Era inevitável que desse convívio não surgisse algo mais. Me lembro como se fosse hoje, a iniciativa de se declarar partiu de você, mas a ação foi minha, tudo bem que te enrolei por uma semana só para dar um certo charme, mas foi legal, estávamos unidos por coisas que não eram palpáveis aos outros. Muitos diziam que éramos iguais demais para ficarmos juntos e eu temia que isso fosse verdade, só que pelo visto você temia mais ainda, porque mesmo depois de algum tempo o seu semblante as vezes deixava escapar sua insegurança.
No inicio eu estava feliz e radiante com a idéia de estarmos juntos, fazíamos o que queríamos, nos entregávamos por inteiro um para o outro. tudo o que queria encontrava com você , mas sempre me batia aquela frase. "nada que é bom dura para sempre". Você me confessava com extrema sinceridade o que sentia por mim e eu sabia, que por receio, eu não conseguia passar essa certeza para você.
Acho que ficou pior quando a bomba foi armada. Você deve se lembrar que eu estava tratando uma pequena infecção que não curava por nada, mas fui levando até que não deu mais e o médico pediu exames mais detalhados. Naldo no dia você estava comigo em casa quando eu disse que iria ver o resultado dos exames antes do médico, você riu e disse que eu não entenderia nada, mas mesmo assim abri os envelopes. Logo de cara notei que algo ia mal, os padrões estavam estranhamente alterados e quando passei por um deles soltei um grito estridente, me joguei para longe de você e me agachei em um canto do quarto e comecei a soluçar e a chorar convulsivamente. Você, sem entender, pegou o exame e começou a olha-lo e vi quando seus olhos pararam na altura do teste onde li em seu semblante o que lera segundos antes:

HIV: positivo.

Depois de alguns instantes nosso conto de fadas explodiu, começamos a colocar para fora todos os sentimentos corruptos existentes, passamos a desconfiar um do outro, fizemos cenas de ciúmes, nos acusamos de prováveis infidelidades e nos ofendemos mutuamente. Cheguei a dizer que você havia acabado com minha vida, aquilo foi a gota d'água, pois logo de cara você me olhou com ar sarcástico e disse que talvez eu tivesse acabado com a sua. Você saiu de casa decidido a tirar isso a limpo, marcou uma consulta com um médico, explicou a ele o ocorrido, fez um exame e decidiu que abriríamos juntos, e certamente independente do resultado nossa vida já tinha virado um inferno.
Foi uma semana longa, evitávamos nos ver, por que com certeza não haveria paz entre nós, e cada dia que passava eu te odiava mais. Acho que isso acontecia contigo também, era ai que a profecia do inicio tomava mais força: "A igualdade deles ainda irá separa-los". O que eu sentia sabia com toda certeza que era análogo aos seus sentimentos.
Porém, naquela Terça-feira, quando você iria levar o exame para que visse, o meu ódio por você havia se extinto, a raiva, os sentimentos nocivos tinham desaparecido. eu simplesmente estava me odiando me sentido o pior da raça humana. Você chegou com o cenho alterado me encarando com ódio e dúvida, pois deve ter notado minha transformação. No instante que tentou abrir a boca para dizer provavelmente: "Tá aqui a porcaria do exame." Eu peguei seu braço com carinho e fiz com que se sentasse e prometesse me ouvir. Comecei lhe falando que certas escolhas que fazemos na vida são acertadas e caminhamos para próxima a fim de continuarmos vivendo e outras se mostram errôneas e precisamos supera-las para conseguirmos evoluir, porém existem aquelas que nos perseguem até mesmo quando estão enterradas. Você me olhou com aquela cara de ponto de interrogação e depois de muito enrolar lhe contei que aquele namorado que tive antes, havia morrido em decorrência de uma infecção pulmonar. Seu semblante mudou naquele instante. E ele só não conseguia se curar pois era portador de HIV a muito tempo, isso quer dizer que na minha época ele já estava infectado.
A reação que você teve foi estranha, o envelope em suas mãos se tornou o centro do seu universo, e eu disse que você estava certo, independente do resultado, nossa vida realmente viraria um inferno, só que seria eu o demônio nesta historia. Você rasgou o envelope com calma, abriu o exame e estancou por um minuto, aquele tempo relativamente curto pareceu uma eternidade e você logo estendeu o papel para mim. O medo me dominava, eu receava pega-lo pois estava apavorada com o que veria, mas como por intervenção divina, pude perceber o que estava escrito.

HIV: negativo.

Fiquei eufórica, alegre e feliz, mas ao mesmo tempo notei que meu mundo acabara diante do seu rosto inquisidor, você queimou qualquer bom sentimento em sua alma, naquele instante o silêncio se tornou insuportável e finalmente falei que você deveria seguir sua vida, pois a minha já tinha sido destruída por minha imprudente inconsequência, pedi que você saísse e deixasse a chave de meu apartamento na portaria. Você passou pela porta e logo depois o zelador interfonou me avisando que a chave havia sido depositada lá. Me recolhi no quarto e chorei, não pelo que acontecia comigo, mas pelo que acabava de perder, perdi o amigo, o companheiro, o piadista que me arrancava gargalhadas e acima de tudo a pessoa que procurava. Fiquei assim por algumas horas, depois me levantei e fui até a sacada observar o mar de luzes que pontilhavam a cidade, recordando quando você me abraçava por trás e ficava admirando este cenário. Ah! como você adorava aquilo, nisso começou a chover e senti os pingos caírem sobre mim, como se quisessem limpar meu espirito. Foi quando ouvi a porta e ao me virar você estava já dentro da sala todo encharcado, se aproximou e disse. "Eu te disse uma vez que havia procurado por você durante uma vida toda, e não deixarei escapar agora que te encontrei, eu quero passar o resto da vida contigo, nem que seja seis meses ou sessenta anos". você me abraçou e me beijou.
Agora aqui vai uma confissão. Instantes antes de você chegar, eu estava disposta a acabar com tudo. E que melhor cenário do que uma noite chuvosa, você não sabe, mas salvou a minha vida desgraçada pela primeira vez. Depois desse dia você se mudou definitivamente para meu apartamento e começou a cuidar de mim. Vivíamos como se fossemos casados, apesar de sempre dizer que tínhamos ojeriza a essa entidade. Você me obrigava a seguir o tratamento e as dietas a risca, me incentivou a continuar a viver e a conviver com o mundo normalmente. Fez com que concluísse a faculdade, você se formou e logo depois batalhou trabalho após trabalho até conseguir um que satisfizesse nossas necessidades. Comprou uma casa melhor para nós e sempre me satisfez, até mesmo na cama, tomando todos os cuidados, sempre dizia do que adiantava tentar me fazer feliz se não fosse em todos os sentidos.
Isso me causava uma certa angustia, por que você era obrigado a fazer exames periodicamente, e a cada resultado negativo eu me alegrava e aventava ainda mais a idéia de partir e te deixar viver sem ter um fardo para se preocupar, porém, sempre adiava essa decisão, principalmente quando você me surpreendia com uma declaração inusitada de seu amor, que insistia em dizer que ainda era pouco para demonstrar o que realmente sentia. Eu sei que retribui a suas demonstrações do meu jeito e sei também que isso nunca lhe deu certeza dos meus sentimentos, mas mesmo me abrindo contigo, a mania que sempre tive de me proteger, impedia de encontrar uma maneira sincera de lhe mostrar os sentimento que tinha por ti.
Mas ainda assim, não queria que você perdesse sua vida por uma condenada, você nunca disse ou insinuou, mas eu sabia que as vezes me condenava em seu intimo pelo meu passado, passado esse que fez vivermos encarcerados em cuidados e prevenções, você deve ter me perdoado varias vezes, mas existem aqueles momentos onde o espirito, por mais puro e justo que seja, fraqueja e deixa a raiva nos consumir, eu percebia isso quando você saia de manhã de cara amarrada e voltava a tarde trazendo um mimo pra mim, como que pedindo desculpas por ter tido tais pensamentos.
E como isso aqui é um maneira de confessar meus pecados, aqui vai outra, sei que será doloroso de saber, mas você precisa. O que você fez e faz por mim é maravilhoso e sublime, mas se situação fosse inversa eu não teria a força que tem para fazer o mesmo. Nesse momento o ódio deve estar te consumindo, mas se te conheço bem, logo depois deve vir seu eterno perdão e isso é demais para mim. E agora eu decidi partir enquanto tenho seu amor, seu carinho e sua dedicação, para que isso nunca se torne pena ou dó, pois seria insuportável ter-te ao meu lado por tais sentimentos.
Te amo, mesmo nunca tendo demonstrado a contento, e quero que você viva o resto de sua vida por você e não por mim.
Adeus.
Da tua eterna Alice, que encontrou, com você, o seu mundo de maravilhas."
Ao terminar de ler a carta me voltei para o Arnaldo e perguntei:
" Quando foi?"
"Ela juntou algumas coisas e foi para casa da Ivone, só que no caminho ela pegou uma chuva forte, adquiriu uma gripe, que logo virou uma pneumonia e não aguentou mais que uma semana."
Ele falava aquilo entre soluços e espasmos e terminou:
"Eu a enterrei em um cemitério aqui próximo.
Para resumir a história. Eu peguei o coitado e o enviei para aquela colônia isolada para tentar se recuperar, e alguns dias depois fui visitar o túmulo da Alice, depositei alguma tulipas sob a lapide onde se lia:
"Alice, sonho de um homem personificado em mulher."
E junto deixei o último exame do Arnaldo que peguei no laboratório:
HIV: positivo.

sábado, 19 de dezembro de 2009

9 - A FESTA


Existem aquelas vezes em que a torcida é tanta que o impossível se realiza, mas esta não era uma delas. O Agenor conseguiu chegar ás dezenove horas em ponto, ô pontualidade infeliz, estacionou seu fusca 73 em frente a minha casa e como de costume, ralou o pneu traseiro na guia, e vendo aquela demonstração de perícia automobilística, me veio na cabeça, “Graças a Deus que não faço serviço externo com ele”. No momento em que ele saiu do carro cumprimentei-o da maneira mais gentil que conhecia, já mandei-lhe a “puta que pariu”, o mesmo me devolveu a gentileza em igual tom cortês. Entramos no carro e depois de uns cinco minutos tentando fechar a bendita da porta, partimos rumo ao calvário.
Agora pode-se imaginar que estávamos indo para a ”gandaia” numa sexta-feira a noite, ledo engano, fomos convidados, ou melhor intimados a comparecer a uma festa social em um clube requintado da cidade; até ai nada demais. Porém, a festa era da empresa onde trabalhávamos. Veja se não existe coisa mais chata que isto, quando é um evento informal, churrasco, futebol, cerveja e churrasco novamente, pode-se suportar, mas em traje de gala é de lascar. Sinceramente, penso que os grandões fazem este tipo de coisa para demonstrar o quanto somos proletariados e que não temos a minima chance de atingirmos o nível deles. No caminho , o meu companheiro foi indagando se estava bem vestido e eu respondia a todo questionamento com um sim semi-cerrado entre os dentes; como se um sujeito com um metro e sessenta e cento e dez quilos, que mais parecia um monstro saído de um seriado japonês, pudesse estar bem dentro de um smoking. Minha paciência já ia pras cucuias quando finalmente chegamos ao local, entregamos o carro ao manobrista que com certeza se matou para guiar a jabiraca até o estacionamento, isso se não encostou no ferro-velho mais próximo xingando até o papa pelo transtorno. Ao entrarmos no saguão demos logo de cara com uma loira toda de vermelho, ela era uma dessas modelos que fazem esses bicos para tirarem alguma grana extra no fim do mês, tinha aquela beleza agressiva que nos é imposta pela mídia burguesa e de brinde trazia um sorriso que mais parecia estar tatuado em seu rosto. Sem muita embromação lhe demos nossos convites que logo nos indicou o salão principal, juro que pra mim ela dizia com seus olhos verdes “bem vindos ao inferno”. Ao chegarmos as portas do purgatório, tive a impressão de que rico adorava gastar para ostentar, mas gosta de gastar um pouco mais só para nos humilhar. O lugar estava simplesmente cheio do bom e do melhor, até meu companheiro, que assim que conseguiu tirar os olhos de cima da loira, ficou estupefato com tamanha pujança. Neste momento uma questão me assolou, onde diabos iriamos ficar, visto que os convites só nos reservava a entrada e nem sequer trazia um mapa das mesas; porém uma vez na boca do leão, qual não foi nossa sorte ao perceber que já haviam solucionado este pequeno inconveniente. Ao olharmos para os convidados já assentados notamos que existia uma tênue divisão de escalão. A diretoria estava reunida num canto a direita, seguindo-se logo por gerentes, encarregados, lideres e por fim , terminando num aglomerado mais numeroso à esquerda onde deveríamos nos juntar, ou seja, a boa e velha plebe. A turma toda estava lá, alguns com as respectivas patroas, outros já tinham em quem se escorar, excetuando-se eu, Agenor, Cleber e o Cláudio, foi meio engraçado quando o Cleber levantou o pescoço fazendo uma panorâmica em busca de carne nova para o abate, mas logo notou que ia ser meio difícil fisgar alguém, especialmente pelo fato da mulherada interessante estar acomodada no setor capitalista. Ai levanta-se a seguinte questão: Onde estava o mulherio solteiro do nosso nível? Resposta: Tentando fazer o mesmo que nós.
A demonstração de altruísmo dos senhores feudais rolava numa boa, já tendo servido a entrada e partindo para o prato principal, o Cláudio solta a expressão mais simpática de seu vocabulário “Vai tomar no...” interrompida quando ele viu o olhar de desaprovação da senhora ao lado, é que ele realmente não sabia o que fazer com mais de um garfo e faca, e garanto que muito menos eu e deixei os comentários de etiqueta com o resto da turma. Já ia pelas vinte duas quando decidimos juntar os solteirões para assaltar o bar, nova decepção, os caras não serviam cerveja, logo, tivemos que nos contentar com uísque, gim-tônica e outros destilados que só vimos nas prateleiras dos hipermercados. Conversamos um pouco do que normalmente falávamos no trabalho, percebemos que aquilo era mesmo um circo e fomos nos escorar na amurada que ficava um pouco acima da ala burguesa, nos postamos no local e notamos que os distintos cavalheiros nos observavam com um certo desdém, talvez se indagando se estávamos planejando alguma revolução cubana, o que não passou de mera especulação. Avistávamos do local a pista principal, observávamos a tudo e a todos com uma bela visão da banda contratada, que tocava umas músicas que eu só ouvia em formatura . Como que por sincronismo paramos o olhar em um mesmo ponto do outro lado do salão. Lá encontrava-se uma mulher de estatura média, corpo esguio, trajando um longo vestido preto com um grande decote nas costas, cabelos castanhos escuros meio que preso meio que solto o que deixava seu pescoço um pouco longo, mas não ao ponto de chama-la de girafa, tinha o rosto firme mas debaixo daquele semblante duro e carregado algo me era familiar, impressão que ficou ainda pior quando o Agenor proferiu um nome -”Neide”- O olhei com a cara mais assustada que se pode ter em um momento de horror e gaguejei uma pergunta:
Que-quem você disse que era?” O coitado vendo que eu demonstrava um interesse além do normal, foi logo me alertando:
“Esquece mano, a mina ali é in.”
“In???”
“É in, inatingível, intocável, inexpugnável e principalmente incalculavelmente distante de gente como nós.”
“Mas oque você sabe dela?”
Insisti.
Bem, o que eu sei é que ela é responsável pela área social da empresa, trata direto com presidente e que foi ela que organizou toda essa esbórnia
Mas não podia ser, havia algo nela que me lembrava alguém do passado, o mesmo nome, o mesmo porte, porém o rosto carregado e marcado me deixava a dúvida que devia ser sanada, indaguei novamente agora sobre o estado civil da moça, respondido sutilmente pelo meu colega:
Você tá louco mesmo né ô idiota, mas já que você quer saber, a fulana ali é descompromissada, alguns figurões tentaram grampea-la sem sucesso e só não foi demitida porque ela é muito boa no que faz. E antes que você me pergunte como sei tanto, tá vendo aquela baixinha gordinha sem nariz ali no meio da ala Vip, é a Margarida, ela trabalha de recepcionista no andar da diretoria, além disso é minha prima, foi ela que nos arranjou este emprego.
Não sei oque me motivava, sai de perto da turma e fui em direção aquela mulher, alguém disse ao longe que eu ia me dar mal ou coisa que o valha. Mas aquela maldita dúvida estava me corroendo , tinha de sacia-la, tinha de ser ela, ou não, poxa haviam passado-se quinze anos e mesmo que fosse, será que se lembrava de mim, e se não. Bem, a decisão estava tomada, qualquer coisa era só dizer que era engano e torcer para nunca mais cruzar com ela por aí. Passei por um garçom, peguei duas taças de champanhe, pelo menos notei que ela não segurava nada, esperei ela ficar a sós e de costas para onde me encontrava, assim pude me aproximar dela e dizer oque tinha bolado, bolado é força de expressão, saiu sem ao menos pensar.
Espero que quinze anos não a tenham feito esquecer de um velho amigo?”
Ela começou a se virar, tudo dentro de mim tremia, aquela virada durava uns dez minutos, dentro da minha cabeça é claro, mas foi ela fixar os olhos em mim e fazer uma cara de interrogação que pensei, “diabo, lascou, vou ter de arranjar uma bela desculpa”.Entretanto, o devaneio foi logo interrompido, aquela mulher abriu um sorriso tão lindo que não havia mais dúvida, era a Neide , caramba, era a minha Neide, Ela cobriu a distância entre nós em milésimos de segundo, a noção de tempo fica estranha nestas horas, e me abraçou com tanta força que tive de me firmar para não derrubar as taças.
Eu não acredito que é você?” disse ela se afastando um pouco.
Pois acredite, sou eu mesmo.” Entreguei uma taça a ela.
Nossa, a última vez que te vi foi...”
Foi quando fui pagar uma conta no banco onde você trabalhava.” Interrompi, lembrando do tempo que ela era apenas uma auxiliar de contas a pagar. Bem a conversa se desenrolou como se não houvesse mais ninguém ali. Exceto na hora em que olhei para minha galera e notei uma miscelânea de expressões de espanto, mas foi só por um breve momento, pois eu não sentia aquela alegria e aquele prazer de compartilhar algo tão bom desde a época em que convivíamos juntos, claro que naquele tempo eu nutria uma paixão secreta por ela, mas isso no momento não vinha ao caso, um ruído diferente me fez despertar, a banda começou a tocar uma música velha conhecida nossa e ao som dos primeiros acordes tomei coragem e falei:
Neide, que tal você realizar um antigo sonho meu?”
“Qual?”
“Eu queria ter a honra e o prazer de dançar com a menina mais linda do colégio.”
Não sei se ela ficou vermelha ou eu estava vendo tudo em tom de rosa, mas quando lhe ofereci o meu braço para conduzi-la à pista, ela simplesmente sorriu e aceitou. O garçom apareceu no momento exato de recolher nossas taças. Descemos os degraus que nos separavam dos outros casais que já giravam ao som hipnótico, nisso todos os meus companheiros já haviam desabados sentados e abismados com a cena. Nos colocamos de frente uma para o outro, passei minhas mãos pela sua cintura, ela enlaçou meu pescoço com seus braços longos e dançamos até o final da música, mas quando começou a segunda canção, senti que algo havia mudado. Ela voltara a fechar o semblante e com a voz um pouco embargada praticamente sussurrou:
Sabe, foi ótimo te encontrar, falar dos velhos tempos, mas existem coisas que ficaram no passado, na nossa juventude e que não nos pertencem mais...”
Eu sabia exatamente oque era, pois estava sentindo o mesmo, então cochichei em seu ouvido:
“Talvez na adolescência tivéssemos a impressão de que qualquer sonho era realizável, mas hoje eu percebo que nem o tempo, - a afastei com os braços estendidos – e nem a distancia – a puxei num giro- me impediram de realizar este sonho, aqui e agora.”
Não houve reação e nem sequer um motivo, ela simplesmente me beijou no rosto e disse: “Obrigada” Em seguida me largou no meio da pista e foi embora, era um pouco antes da meia-noite, pensei que ela havia partido, caso contrário viraria abóbora.
Porém a verdade fez-se nítida uma semana depois. O Agenor ainda ressabiado e abismado, diga-se de passagem, com o episódio, conversou com sua prima e disse que a Neide havia pedido demissão na segunda feira seguinte a festa. Um mês depois eu estava meio enroscado com um servicinho porco que o Cleber havia me deixado, quando chega o boy da firma com uma correspondência. Imaginei logo que era a carta de alforria, mas era algo inesperado, ele me entregou um envelope e dentro continha um postal que na sua foto mostrava uma paisagem urbana e ao fundo a Torre Eiffel. Tomei uma certa coragem e fui até meu chefe.
Hoje estou aqui realizando sonhos, os meus e de outras pessoas, tenho um estúdio de gravação nos fundos da minha pequena livraria onde até o Agenor gravou o primeiro disco do grupo de samba dele, só não sabia que quando ele cantava a voz dele parecia tanto com a da Clara Nunes, mas deixa pra lá. Sob o vidro do balcão está o postal , que de tempos em tempos é retirado para que eu possa rememorar as palavras que me trouxeram até aqui:
“Talvez o passado não mais nos pertença, mas não custa nada olhar para trás e tomar algo de volta. Lembre-se os sonhos são realidades que as realidades alheias impedem de tornassem realidades”
De sua eterna sonhadora NEIDE.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

8 - CONTOS DE GUERRILHA 2

MISTÉRIO NA JORDÂNIA
Uma área de 2 mil metros quadrados, registrou temperaturas de quase 400°C. A história foi descoberta por pastores que observavam um rebanho de ovelhas. “ Os bichos entraram no terreno para pastar, de repente começaram a queimar e desapareceram”. Disse o governador da região. A hipótese até aqui é uma peculiar reação de materiais orgânicos liberados por esgotos improvisados.
Publicado em outubro de 2009

*Relatório de PTPD 2658/2008
– Confronto com milícia
- Analise da ocorrência e possível localização

-Chegamos ao local informado pelas autoridades da Jordânia, onde encontramos um pequeno povoado que, pelos relatos dos habitantes, sempre foi vítimas de ataques de milícias por causa da pequena produção de alimentos e pelos poucos poços d'água da região. Mas estas ocorrências estavam diminuindo nos últimos tempos por causa da presença de um forasteiro que montou uma estrutura de defesa rudimentar mas eficiente. Ao que tudo aparenta, ele pode ser um dos fugitivos PTPD de classificação JDN 235. O fato de termos informações de sua estadia neste local, reafirma a ideia de que, mesmo com seus centros de memórias alterados, os experimentos estão voltando para seus locais de origem, ou algo próximo as suas experiências passadas.
-Tudo indica que o experimento utilizou amplificação e concentração de energia solar, confirmando sua identidade (JDN 235). Buscas foram realizadas, mas não encontramos vestígios de sua passagem por nenhum lugar. A possibilidade de ter se encaminhado para alguma área montanhosa é praticamente nula. Nosso satélite já demarcou a área provável para analise de aumento súbito de calor. Estamos agora nos dirigindo com nossas forças para o Nepal, para investigar incidente na região de Mustang.

* CONTOS DE GUERRILHA * criado por Eder Bovelo e Odair Mercham