Com apenas uma moeda na mão em frente
a uma máquina de doces e o dinheiro não dá pra comprar a bendita barra de
cereal, ele não devia ter gasto uma grana naquela revista em quadrinhos, ele
não devia ter comprado o botton pra irmã, ele não devia ter comprado o cachorro
quente logo de manhã, afinal ele não devia ter comprado a passagem de trem pra
ter ido ao centro da cidade, um local de tentação e consumismo desenfreado para
um cara ligado em cultura pop e memorabilia. E a fome apertou bem naquele momento,
como comprar algo que custa o dobro do que possui. Eis que surge ao lado dele
uma moça loira, cabelos lisos, olhos verdes, um metro e sessenta, trajando um
conjunto esportivo com uma moeda de mesmo valor entre os dedos e observando a
mesma barra de cereal, só que pelo visto parecia que seu dinheiro havia sido
gasto com muitos discos de vinil que trazia numa sacola plástica. Foi como
transmissão de pensamento, os dois olharam para as moedas e depositaram as duas
na máquina, retirando a barra e dividindo-a entre eles. Não parecia, mas ali
nasceu uma amizade que daria frutos poéticos e afinados.
Seu nome era Isaac e não era judeu e
o dela Francine e não era francesa, mas ele tinha traços que lembravam o povo
turco, era narigudo e os dela eram perfeitos em sua totalidade, nada naqueles
dois denotariam que formariam um casal, que por sinal nunca formaram, ele tinha
uma paixão mal resolvida com uma amiga de trabalho e ela era bem resolvida com
uma amiga do trabalho, então esqueçam se tratar de uma história comum de amor
entre um homem e uma mulher, o amor existe, mas não da maneira que imaginam,
eles cultivaram algo mais sublime, mais edificante, mais criativo, algo que
faria com que os dois fossem admirados por gente que nem sabiam que existiam,
mesmo a paixão de Isaac teria uma leve promessa de concretização e a relação de
Francine teria um vislumbre de traição. Aquelas moedas tinham história e a
divisão da barra de cereal confirmou um evento transcendental. Ele havia
encontrado a sua no chão do trem e para testar sua sorte fez uma pergunta, como
sempre se a amiga namoraria com ele, e a jogou para o alto se desse cara era
sim, e ao pegar e coloca-la sobre as costas da outra mão ele viu que tinha dado
cara, um sorriso nasceu no canto de seus lábios. Ela havia encontrado a sua em
meio a uns badulaques que tinha comprado numa feira de antiguidades e guardou
no bolso do agasalho sem cerimônias místicas. Ou talvez tenha sido a compra que
ele tinha feito das revistas do Batman ou o vinil do Joy Division que ela achou
no sebo, quem irá dizer qual foi realmente o ponto de convergência para a
existência de apenas duas moedas naquele momento. Por sorte ambos haviam
comprado as passagens de retorno. Ela morava na zona sul e ele mais ao sul
ainda, não estranharam fazerem o trajeto de volta juntos. Durante esse tempo
conversaram amenidades, ele sobre quadrinhos, livros e filmes e ela sobre seus
discos, televisão e seu trabalho, fato que acabou gerando um brinde para ele.
Como estava para ficar desempregado e sobreviveria do seguro desemprego, ou
melhor, consumiria o seguro com seu vicio em cultura pop dos anos oitenta. Ela
lhe indicou uma vaga na empresa onde trabalhava.
A tal empresa em si era uma grande
construtora e a função dela era localizar e adquirir imóveis com grande potencial
de retorno após a execução de obras públicas. O ambiente era descontraído,
todos se conheciam e se ajudavam e não era segredo para ninguém o
relacionamento que Francine mantinha com Valeska, uma morena alta, com curvas
insinuantes e um para de pernas que enlouquecia qualquer um, o único senão era
seu rosto um pouco masculinizado que lhe dava um ara de transsexulidade, fora
isso era um primor da espécie. Isaac em seu primeiro dia ficou um pouco passado
ao ver a amiga em um beijo lascivo com a morena, mas como já sabia das
preferências de Francine, o que achou um desperdício principalmente se ele
tivesse alguma chance com a loirinha, logo se acostumou com a ideia, além do
mais a antiga amiga de trabalho não saia de sua cabeça, bem como de sua caixa
de mensagens do celular, tá era ele quem mandava e depois rezava pra moça
responder.
Não demorou muito e Isaac já estava
sendo promovido a Office boy interno e com um aumento substancial em seus
ganhos, tanto que ela já pôde comprar um celular de dois chips de boa marca e
procedência e aposentar seu velho Xing ling que só não jogou na parede, pois
ainda não havia salvado as milhares de mensagens de sua musa, hum milhares
dele, porque dela havia umas trinta somente. Essa mudança de tarefas o
aproximou mais de Francine e fez com que
ganhasse o apresso de Valeska que o via como um amigo gay já que a loira o
tinha como válvula de escape para seus assuntos pseudointelectuais extraídos da
cultura de massa imposta pela mídia burguesa com o intuito de banalizar o cotidiano
da sociedade em geral, só pra ficar claro, Francine falava sobre cultura
televisiva e afins que ficou um pouco mais abrangente com a chegada de TV a
cabo. A convivência com o restante dos funcionários também era alegre e em todo
aniversário havia uma festinha com bolo e um presente sacan. No primeiro ano
ele ganhou um pijama de ursinho, mas as duas amantes lhe deram uma raridade,
uma caixa com todos os números do Miracleman, Valeska disse que tinha sido
difícil encontrar, mas Isaac sabia que o esforço todo havia sido de Francine,
pois só ela sabia o quanto ele procurava esse item e também o quanto ele não
tinha para compra-lo quando o encontrasse. E continuando a tradição dos
aniversários ridículos, ao fim do turno a maioria se reunia em uma ampla sala
de reuniões, cortava o bolo e participava de um concurso inusitado de quem
escolheria a música mais brega do karaokê. Isaac como aniversariante teve o
direito, imposto é claro, de escolher a primeira música que foi logo de cara
Boemia , no final ele ganhou por pontos, pois foi a pior pontuação conseguida
em qualquer festa realizada ali. Valeska tentou pegar pesado escolhento “O meu
sangue ferve por você”, mas mesmo com sua voz estridente ela se saiu bem.
Agora, na vez de Francine ela escolheu “A vida tem dessas coisas”, quando ela
cantou ele teve duas certezas, a primeira ele nem sequer fazia ideia de quem
era a música ea segunda a de que Le havia encontrado a voz que tanto esperou,
aquela que tornaria seus anseios realidade, aquela que daria vida as suas ideias
postas em um papel, mas que por força do destino e por ser um cara extremamente
desafinado havia tido corangem de cantar seus versos. A mulher não desfinava
por nada. Cada frase, cada pausa, cada olhada que ela dava para Valesca eram
perfeitas, bem, as olhadas eram meio estranhas, mas elas se entendiam.
Após a festa Isaac não esperou
Francine, nem adiantava também. Por que ela pegou carona com a morena e era
melhor evitar as duas quando saiam sorrateiramente para o estacionamento. Ele
nunca imaginou que o trem demorasse tanto para chegar ao sul da zona sul, pra
ser honesto, ele deu azar naquele dia, porque deu pane na rede elétrica dos
trens, mas deixa pra lá. Chegando em casa passou direto pelos pais e pela irmã
que já se preparava pra dar uma bronca por causa da cueca esquecida no Box do
banheiro, mas sua velocidade de entrada no quarto estava cravada em não me
perturbem. Ele jogou os presentes sobre a cama e revirou alguns cadernos em
busca de anotações, pegou o violão Tonante que tinha e viu sua afinação, ligou
seu celular que tinha a imensa capacidade de gravação de cinco minutos e
começou a cantar sua composição. Tudo bem que ele repetiu a operação inúmeras
vezes e cada vez mais alto até encontrar o volume certo para o aparelho
reproduzir algo audível. E ninguém sabe ao certo explicar porque na manhã
seguinte a vizinha maníaca depressiva do lado foi encontrada morta por
enforcamento e até hoje não encontraram a relação.
No dia seguinte ele chegou mais cedo,
não precisou dar a velha desculpa do trem quebrado, nunca foi desculpa mesmo
pra justificar seus atrasos. E foi direto procurar Francine e a encontrou
conversando com Valeska, ele se abaixou para beija-la no rosto e ficou nas
pontas dos pés para beijar a morena. Isaac puxou a loirinha para um canto sob o
olhara cismado da companheira e numa suplica de dar dó, pediu que ela
ouvissealgo no celular. Fones nos ouvidos e uma cara de quem ouviu uma unha
sendo raspada numa lousa, ela retirou os fones, perguntou se ele tinha a letra,
ele a entregou e ela pediu o celular emprestado. Francine entrou no banheiro
feminino voltando alguns minutos depois entregando o aparelho para Isaac
escutar. Ao ouvir o resultado de uma voz suave com um pequeno eco causado pelas
paredes do Box do banheiro e no fundo o som de uma descarga sendo acionada, ele
quase teve um ataque, na verdade ele teve um ataque de cólica renal, mas passou
logo.
Ela foi sincera, a letra era boa e a
música também, mas precisava de ajustes e ele a aprender a tocar direito o
violão. A partir dai voltavam todos os dias juntos conversavam sobre música,
ele carregava sempre um caderno na bolsa, se encontravam nos cafés,
lanchonetes, parques e uma vez foram expulsos da estação de trem por estarem
cantando e tocando no vagão, o fato é que ele estava cantando e não ela, o que
explica a expulsão. Ela o levou a sua casa os pais dela estranharam, pois ela
nunca havia levado um rapaz somente garotas e ele a levou a sua, onde a família
determinou que aquela data fosse comemorada todos os anos já que Isaac nunca tinha
levado uma garota em casa ou qualquer outra pessoa.
Depois de alguns ensaios e mais
nenhuma vizinha morta, eles aproveitaram o aniversário de Valeska e na hora do
karaokê els mudaram a tradição e partiram pro velho banquinho e violão. Houve
um alivio entre os presentes ao perceberem que Isaac não cantaria naquele dia.
Francine pegou o microfone, disse algumas palavras em homenagem a
aniversariante e falou que a composição era do Isaac mas que todo o sentimento
era dela. Ao terminar a canção a pequena plateia ali reunida aplaudiu
emocionada pela voz da loira, os cercaram, os abraçaram, cumprimentaram e
disseram que nunca esperaram nada tão bonito saindo de um cara feio, narigudo,
quase careca e que só sabe entregar a papelada quando necessário, caso não mudem
a cor do envelope.
Após aquele dia todos os aniversários
tinham uma apresentação da dupla. Francine cada dia mais afinada e Isaac, bem,
Isaac ainda precisava aprender a tocar violão, mas suas letras estavam
melhores. Após várias apresentações, Valeska convoca a dupla para propor algo
mais ambicioso, ser a atração musical no aniversário do seu Godofredo o dono da
empresa, um senhor simples e gentil, que não media esforços para deixar o clima
da empresa agradável. Todo o ano a comemoração era considerada um feriado,
tanto que os clientes e fornecedores nem sequer ousavam ligar ou marcar algo
nessa data. Todos os funcionários compareciam sem exceção e sem problemas de
locomoção, pois o transporte para aqueles não dispunham era garantido tanto na
ida como na volta. A festa era sempre em um restaurante grande e de renome e
com a presença de uma banda, eles aceitaram na hora, e Valeska ficou contente,
assim poderia economizar uma grana com a contratação da banda, não que ela não
fosse pagar os dois, mas eles nunca iam saber que ela tava desembolsando apenas
um quarto do valor disponível, a mulher era mão de vaca, dizem as más línguas e
as boas também, que se derramarem um pouco de sal de fruta na mão dela e a
jogarem numa piscina, ela sai e ao abrir a mão tem um sonrisal em pastilha e
com embalagem, mas voltemos a nossa dupla. Passaram duas semanas ensaiando,
reviram todas as músicas que já haviam apresentado, algumas versões de artistas
conhecidas e terminaram com umas vinte
músicas e mais umas cinco para um possível bis.
Festa estranha com gente esquisita,
nada como ir para um aniversário ouvindo Legião Urbana em um Fusca 78 branco
pérola, essa era mais uma conquista de Isaac, seu primeiro meio próprio de
transporte, alguns amigos um tempo depois perguntariam, quando ele venderia o
Fusca e compraria um carro, mas ele estava contente com a aquisição e a irmã
até já havia batizado o carrinho, deu o nome de Herbie, mas a proibiu de
colocar um adesivo com o número 53 na lataria. E seu contentamento não era só
por isso. Finalmente Valkiria, esquecemos de mencionar que a amiga do seu ex
trabalho tinha esse nome, aceitou seu convite para velo em sua primeira
apresentação, ele consegui com Valeska dois convites, um para ela e outro par
Jóca, também seu amigo do ex trabalho, ele levaria a amiga e depois Isaac a
convidaria pra sair e comer sushi, ele tinha aprendido a apreciar a culinária
oriental, só não aprendido a usar os rashis, mas graças a genialidade de um
algum desafortunado, descobriram que colocar elásticos nas pontas ajudava.
Chegando ao restaurante o manobrista já o encarou feio, não por ele ou pelo
Fusca, mas pelo violão tonante todo desbotado e quase não acreditou que Isaac
fazia parte da atração musical da noite, após alguns acertos e a intervenção
prestativa de Ulisses o gerente de vendas, nosso amigo consegue entrar, menos
sorte teve Herbie que foi estacionado numa rua lateral sem muita iluminação e
com risco de alagamento, sorte que não choveu naquele dia. Isaac estava
elegante, terno preto, camisa branca, sapato de amarrar preto e cinto preto, se
colocasse uma gravata passaria por segurança do local na boa.
Já dentro e no palco, Isaac se
impressiona com o tamanho do local, nem a churrascaria do bairro era tão
grande, o palco era quase central, pois havia um mezanino atrás para alguns
convidados especiais e a mesa reservada para seu Godofredo estava ali.
Microfone posicionado, tonante afinado, só faltava Francine e eis que a bela
loirinha sobe ao palco, Isaac quase cai do banco ao ver sua amiga em um vestido
preto, tomara que caia, com as costas nuas e uma fenda de rachar o coração, ele
nunca tinha percebido quão lindas eram aquelas coxas, Valeska também havia
notado o vestido e em seu intimo se vangloriava. Após alguns minutos de estupefação,
a dupla se ajeitou e depois de um pequeno discurso da morena em homenagem ao
chefe, eles tocaram a primeira música, por sinala primeira composição que
apresentaram naquele primeiro aniversário, francine estava fabulosa, Isaac não
errou uma nota, estava tudo perfeito, os convidados ficaram extasiados, seu
Godofredo orgulhoso da festa, nada poderia dar errado.
E na terceira música Isaac percebe a
entrada de um casal no restaurante e logo são encaminhados para a mesa
reservada pelo garçom, eram Valquiria e Jóca , Isaac ficou um pouco apreensivo
pois os dois chegaram de braços dados, mas ele sabia da amizade dos dois e logo
deixou pra lá. Francine começou a cantar uma versão de “Esse brilho em seu
olhar” e quando estava no meio da canção ela sente Isaac arranhar uma nota
fácil, ela continuou, mas olhou para ele e percebeu seu olhar fixo em um casal
que se beijava numa mesa próxima, eram Valkiria e Jóca. Ele ficou perdido em
pensamentos e recordações, seus sentimentos viraram um turbilhão, não havia mais
motivo pra nada, estar ali não tinha importância, seu orgulho estava mais que
ferido, a imagem que ele tinha da ex amiga se desfez, seu amigo, aquele a quem
confiava seus sentimentos sobre ela, havia traído sua confiança, não existia
palavra para expressar sua revolta, a mulher que ele enaltecia, que ele
idolatrava, que ele endeusava, agora estava nos braços de outro e mesmo sabendo
o que Isaac sentia, ela não se reteve em demonstrar o que sentia pelo outro.
Isaac ficou paralisado por alguns minutos observando o braço do violão e seus traços,
foi quando a dor que queria se converter em lágrimas, tornou-se um dedilhar,
era Telegraph Road do Dire Straits, Francine ficou impressionada pela ousadia
do amigo, pois durante os ensaios essa música não queria sair, a letra era uma
tradução adaptada, mas Issac não tirava nada do violão, ele continuava no
básico, porém ele fez Francine cantar a letra com o CD tocando ao fundo, ficou
muito bom, mas retiraram da apresentação. Ele estava tomado pelo sentimento de
que nada mais valia a pena, nem mesmo o fato de passar vergonha diante de
tantos, sua magoa o impelia a tocar notas tristes, mas perfeitas, seus dedos
buscavam as cordas certas, seus olhos embaçados pela névoa de tristeza não
enxergava seu desempenho, em sua mente a única coisa que existia era a trilha
que deveria ser seguida, entrar de cabeça em seu ódio. A música tinha
praticamente quatro partes, duas líricas e duas instrumentais, Francine cantou
a primeira primorosamente e Isaac tocou a primeira instrumental de modo simples,
mas emocionante, até o casal de ex-amigos ficaram impressionados, a loira
arrasou novamente na segunda lírica e quando terminou pensou que o amigo daria
um pequeno toque para finalizar, pois até aquela parte eram quase nove minutos
de música. Mas Isaac fez uma pausa de segundos, levantou a cabeça, encarou
Valkiria, fulminou Jóca com o olhar e começou a marcar o ritmo com o bater do
pé, Francine não acreditando, mas sabendo do intuito do amigo, o acompanhou
estalando os dedos, os convidados os acompanharam nos estalar e Isaac tocou a
primeira nota do restante da música. Ele colocou raiva, ódio, rancor, todos os
sentimentos naquele tonante, que nunca havia emitido um som tão cristalino e
perfeito até aquela altura, ele reviveu cada frase escrita, cada noite mal
dormida, cada canção que havia escrito tento como inspiração Valkiria, e sua
cadencia aumentava até que no furor ele encerrou a apresentação com uma batida
violenta, mas afinada nas cordas de seu velho companheiro. O s convidados
aplaudiram de pé, quem conhecia Isaac sabia que ele havia se superado e muito
naquela apresentação, mas nenhum sabia tanto quanto Francine o que estava
passando no intimo do amigo, ela conhecia a história e sua paixão juvenil, ela
não conhecia o objeto dessa paixão, mas o olhar dele a havia indicado. A loira
em um ato impulsivo largou o microfone no pedestal, caminhou até Isaac que
continuava a admirar os traços do violão, colocou a mão sob seu queixo,
levantou seu rosto e lhe deu um beijo puro e terno nos lábios. Além dos
aplausos que aquele beijo provocou, duas pessoas levantaram em desespero
naquele momento, Valeska por ver a namorada aos beijos com outro e seu
Godofredo desesperado atrás de um banheiro por causa de um desarranjo causado
pelo prato de camarão. Isaac sorriu para Francine e terminaram de tocar as
músicas ensaiadas. Após a festa Valeska arrastou Francine para o estacionamento
e depois de muita discussão se acertaram, mas houve consequências, Isaac foi
para casa em seu Fusca e nem notou que riscaram a porta do passageiro, o casal
de ex amigos não tiveram mais noticias de Isaac e sempre acharam que ele havia
compreendido a união dos dois, um engano compreensivo, já que ele nunca
demonstrou publicamente o ódio e a vontade de esgana-los.
O fim de semana passou e quando Isaac
chegou ao trabalho foi recebido por Valeska, que logo de cara lhe disse que
Francine não trabalhava mais ali e que não adiantava procura-la, pois era um
acerto que haviam feito para que continuassem juntas, se bem que ela não
pretendia ficar com Isaac mesmo. Aquilo o deixou arrasado, seus sonhos haviam
se tornado realidade por causa da loira, restava para ele, no entanto a certeza
da compreensão e apoio da amiga, mesmo ela sabendo que toda inspiração provinha
da ex amiga e que não surgira nem mais uma frase conexa desde a festa de
aniversário. Alguns dias depois, ao encontrar outra moeda no trem, ele fez o
velho gesto de joga-la, mas a pergunta agora era se Francine voltaria, deu
coroa, ela não voltaria, ao passar pela máquina de doces ele imaginou a amiga
se aproximando e completando o dinheiro pra dividirem outra barra de cereal, ou
quem sabe uma nova parceira apareceria, mas para sua surpresa a barra estava
custando apenas uma moeda, vendo um rapaz abastecer a máquina ele lhe perguntou
o porquê da queda de preço, a resposta o deixou cismado, na verdade por um erro
do antigo abastecedor, naquele dia o preço estava errado para mais. Agora
sabemos que a causa daquela associação foi uma burrada de um terceiro que não
tinha nada com o assunto. Isaac agradeceu, comprou a barra com a moeda e foi
embora com a certeza de que agora era ele e somente ele e mais ninguém pra
dividir seus anseios. Naquele momento morreu Isaac o artista, o compositor,
morreu Isaac filho de Esaú primo de Malaquias, neto de Abrão, ele que vinha de
uma família que utilizava nomes bíblicos agora se via solitário contra o mundo,
seu sonho passou e foi perdido, sua devoção foi quebrada, seus princípios
testados, mas sua alma fortalecida ou tão torcida que ficou anestesiado perante
os acontecimentos, ele transfigurou seu rosto em uma máscara de maturidade e
abnegação que só sua mente foi capaz de criar, seus dias se tornaram sombrios e
alguns arremedos de frases eram de pura perversidade, nunca mais Isaac sorriu
com honestidade o palhaço morreu numa noite sem testemunhas e sem ser velado.
Ah, só pra constar, seu fusca foi roubado na
porta de casa num dia de verão.